sexta-feira, 8 de agosto de 2014

 

Perfil de Eduardo Campos - Valor Econômico

No tanque de caranguejos

(A) No início dos anos 80, a rua do Chacon era quase toda de terra. O asfalto só passava na avenida do quartel, onde, em 1964, o líder comunista Gregório Bezerra foi exibido como troféu depois de arrastado pelas ruas do Recife. Até o século XIX por lá veraneavam famílias da aristocracia pernambucana, mas, naqueles anos, o bairro de Casa Forte já tinha sido ocupado pela classe média.
No fim da rua, avizinhando-se dos casebres que beiravam o rio Capibaribe, restava uma das poucas chácaras daquele período, o solar azulejado do escritor Ariano Suassuna. Em frente, ficava a casa mais miúda de Maximiano Campos. Ao lado desta, Miguel Arraes ergueria sua morada ao voltar do exílio. A rua, agora calçada, é arrematada por um parque que margeia o rio.

Ariano morou ali até morrer, em julho. Foi ali que o filho de Maximiano, Eduardo Campos, passou parte da infância e da adolescência. O pai trabalhava na Fundação Joaquim Nabuco, escrevia livros e era amigo de intelectuais e artistas de Pernambuco. De sua casa para a de Ariano transitava a geração espremida entre o golpe e a abertura que se via no berço reprimido da nação.
Foi num fim de tarde de maio, na sala do apartamento de três quartos alugado em Moema, na zona sul de São Paulo, que Eduardo falou de sua vida na rua do Chacon. "Meu pai era um bom contador de histórias, mas era muito fechado. Meu avô só era tímido para quem o via de fora. Carregava a desconfiança de quem tinha vindo do sertão, mas se estivesse num lugar à vontade falava num timbre para todo mundo ouvir, dava gargalhadas e contava histórias."

Criado no meio de escritores, educado no Instituto Capibaribe e no Colégio Contato, escolas laicas e liberais, Eduardo hesita em nomear o livro mais importante para sua formação. "São muitos. José Lins do Rego, Graciliano, Guimarães Rosa, Euclides da Cunha. Vão te dando ciência dos vários Brasis." Na insistência, saem dois de Graciliano Ramos. Não escolhe os que o consagraram na ficção, mas "Infância" e "Memórias do Cárcere", que revelaram a criança surrada pelos pais e o prisioneiro de Getúlio Vargas.
Aos 21 anos, foi trabalhar no gabinete do avô: "Dizia com mais naturalidade coisas que outras pessoas não conseguiam dizer". A praia do filho do escritor era a política. 

"Gostava do ambiente, do debate sobre literatura, arte e música, mas eu não fazia poesia, não escrevia conto. Fui dar palpite quando comecei a ler Celso Furtado e 'Veias Abertas da América Latina' [Eduardo Galeano]. Era aquilo que eu queria." Foi aí que a rua do Chacon ganhou um novo morador. Com o fim do exílio, o eixo da família se deslocou. Eduardo cruzou o portão para a casa do avô. Recém-formado em direito, Maximiano arriscava-se na poesia quando conheceu Ana Arraes, em 1963. O casamento ocorreu na capela da Base Aérea. Arraes estava preso, desde o dia seguinte ao golpe, em Fernando de Noronha, e o comando do IV Exército havia restringido a presença do governador deposto a instalações militares. 

Ana descobriria que, do aborto natural de uma gravidez gemelar, restava um feto vivo. O pai seguiria para o exílio na Argélia em junho de 1965, dois meses antes do nascimento de Eduardo Henrique Accioly Campos, o primeiro neto. A família já estava reunida em Argel quando a Justiça Militar condenou Arraes à pena de 23 anos por subversão. Desde o exílio, Arraes previra as dificuldades de voltar para o palácio do qual havia sido apeado. O que sobrara da esquerda em Pernambuco tinha se aglutinado em torno de jovens e aguerridas lideranças. Antes de se engajar nas campanhas do avô, Eduardo havia sido eleito, numa disputa sem adversários, para presidir o diretório acadêmico da Faculdade de Economia da Universidade Federal de Pernambuco. 

Ali começou a se formar o grupo que, alocado em postos-chave no governo, no PSB e no Tribunal de Contas do Estado, acompanharia Eduardo na política até hoje. Caloura de economia na mesma faculdade, Renata de Andrade Lima se incorporou ao grupo, mas fazia tempo que frequentava a rua do Chacon. Filha do clínico da família de Eduardo, Renata o conheceu criança ainda, na casa de Ariano Suassuna, de quem era sobrinha. Cresceram frequentando os mesmos comícios. O casamento foi em 1991, depois da eleição de Eduardo para seu primeiro mandato de deputado estadual. A primeira filha, Maria Eduarda, nasceu no ano seguinte. Depois vieram João Henrique, Pedro Henrique e José Henrique. Em fevereiro, nasceu Miguel, o quinto filho, portador de síndrome de Down.

Com o mensalão, Eduardo diz que aprendeu, no meio da crise, que "tem que falar com o povo, não pode deixar que os outros falem"
Dois anos mais nova que Eduardo, cabelos grisalhos, Renata é funcionária concursada do Tribunal de Contas do Estado. Criou os filhos em meio a campanhas e governos do marido, de quem pouco se afasta. Moram, desde que se casaram, numa casa construída no quintal do pai de Renata. Na declaração de bens entregue ao TSE, a casa está avaliada em R$ 142 mil, um quarto do patrimônio declarado.

Campanha do avô 




A primeira campanha do avô em que Eduardo de fato se engajou foi a do governo do Estado em 1986. Tinha 20 anos e acabara de se formar. O brasilianista Werner Baer, da Universidade de Illinois, convidou o laureado da turma. Eduardo balançou, mas optou pelo gabinete do avô.
Em pouco tempo, Eduardo assumia a chefia de gabinete. O perfil "primeiro a chegar, último a sair" começava a ser construído. Eduardo não havia nascido quando o avô foi governador pela primeira vez e tinha 21 anos quando ele voltou ao Palácio do Campo das Princesas. 

"O fato de eu ser muito novo e não ter maturidade me tirava os freios na conversa com ele. Dizia com mais naturalidade coisas que outras pessoas não conseguiam dizer." Tinha 30 anos quando assumiu a Secretaria da Fazenda, no terceiro governo do avô. Em 1994, Arraes foi o único de oposição a liquidar a fatura no primeiro turno na eleição do Plano Real. A nova moeda tinha fechado a torneira da Federação. As operações de refinanciamento de dívidas passaram a exigir que os governadores abrissem mão de suas estatais. Arraes resistia.

Uma lei estadual amparava a ideia de emitir títulos públicos "prioritariamente", e não "exclusivamente", para o pagamento de dívidas judiciais. Foi por essa brecha, avalizada por Senado, Banco Central e Tribunal de Contas, que o governo se valeu de precatórios para seu custeio. Antes de chegar ao caixa do Estado, o dinheiro irrigou de pequenas corretoras a grandes bancos que montaram a operação e uma rede de intermediários que dela se beneficiou.


A operação foi alvo de uma CPI. Como não havia assinatura de Arraes nos documentos, a investigação recaiu sobre o secretário da Fazenda. Às vésperas da eleição de 1998, Arraes e Eduardo seriam denunciados pelo procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, primo de Marco Maciel.
Depois de longa batalha judicial, ambos seriam absolvidos pelos tribunais superiores, mas purgariam em arena eleitoral invadida por inquérito. "Com meu avô de 80 anos, que só tinha como patrimônio a dignidade, debaixo de um cerco político daquele, eu só podia assumir uma atitude, a de jogar o corpo para protegê-lo. O tempo nos deu a possibilidade de mostrar quem estava certo, mas foi muito duro. Se eu tivesse feito alguma coisa errada, não teria suportado", diz.

Numa campanha em que as entradas da oposição no horário eleitoral gratuito na TV abriam e fechavam com os precatórios, Jarbas Vasconcelos amealhou 1.809.792 votos. E Arraes, que nunca havia sido batido numa eleição majoritária, teve uma derrota que valeria por toda a vida, com 744.280 votos. Não houve cerimônia de transmissão do cargo. Arraes chorava ao deixar o Palácio pela última vez.
Com o mensalão, Eduardo diz que aprendeu, no meio da crise, que "tem que falar com o povo, não pode deixar que os outros falem".

Deputado federal, ministro e governador  

Naquele ano, Eduardo foi o deputado federal mais votado no Estado. Reconstruía sua carreira das cinzas do arraesismo. O voo era baixo, mas a ave já tinha começado a arribação. Lula se elegera presidente da República. Antes de tomar posse, passou por Recife e chamou Arraes
para acompanhá-lo numa viagem a Caetés, cidade do agreste pernambucano onde havia nascido. Eduardo conhecia Lula desde menino. O líder metalúrgico, que se preparava para lançar o PT, foi a Pernambuco participar do comício da volta de Arraes do exílio.


"Quando Lula passou por Recife, a caminho de Caetés, meu avô não quis ir, mas eu fui." Dali em diante, ficariam cada vez mais próximos. Eduardo virou líder do PSB e, nessa condição, trabalhou pela aprovação da reforma da Previdência. "Botei a cara, fui pra cima num momento em que tinha um monte de gente vacilando no próprio PT."
Tomou posse na pasta da Ciência e Tecnologia em 2004 e logo arrancou do Congresso a Lei de Inovação, que tirou a relação entre institutos de pesquisa e empresas da esfera da Lei de Licitações. 

No ministério, esteve mais próximo do colega da Agricultura, Roberto Rodrigues, ao lado de quem enfrentou embates como o da soja transgênica, do que da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, com quem viria a compor sua candidatura à Presidência em 2014. Durante a investigação do mensalão, ajudou a alinhavar o cordão sanitário em defesa de Lula. Eduardo voltaria ao Congresso na expectativa de usar sua quilometragem de crise, mas o alvo tinha mais rodagem naquela estrada: "Aprendi ali que no meio da crise tem que falar com o povo, não pode deixar que os outros falem".

Saiu de lá para disputar o governo de Pernambuco em 2006, quando derrotaria o grupo que havia tirado seu avô do governo. Desde o discurso de posse, deixou claro que não se vingaria dos embates do passado. Atrairia, um por um, seus adversários, de Severino Cavalcanti a Jarbas Vasconcelos. Todos, à sombra do eduardismo, se desidratariam.
No auge de seu governo, chegou a ter 45 dos 49 deputados da Assembleia Legislativa. Uma velha anedota local ensina a diferenciar, num tanque de caranguejos, que o dialeto local chama de "caritó", qual é o pernambucano - aquele que puxa o que vai subindo. Durante algum tempo Eduardo foi capaz de manter a política pernambucana num caritó em que ninguém o puxava para baixo.

Questionado se o empenho pela eleição da mãe para o TCU havia sido um erro, Eduardo faz um longo preâmbulo para concluir: “Se o tempo voltasse, acho que talvez ela nem fosse candidata.”
Eduardo tratou de manter azeitadas suas relações com Lula. Pernambuco receberia mais investimentos públicos naqueles quatro anos do que em qualquer período de sua história. Programas do avô, como o "chapéu de palha", que contratava para obras públicas boias-frias na entressafra da cana, proviam colchão para as famílias mais pobres, mas não alavancariam a economia do Estado. Eduardo almejava investimentos de maior vulto, como aqueles que, nos anos 1970, tinham feito a Bahia liderar a economia da região.

A ordem fiscal da nova moeda exigia que se fizesse mais com menos. A economia, para ganhar produtividade, reclamava mais eficiência na gestão pública. Pernambuco foi o Estado de adesão mais incondicional às ferramentas de aferição de resultados do Movimento Brasil Competitivo. Nos fóruns empresariais e financeiros, Jorge Gerdau virou garoto-propaganda de Eduardo.
Pernambuco foi a primeira unidade da Federação a aprovar uma lei que proíbe a nomeação de parentes até terceiro grau do primeiro escalão do governo. O texto, no entanto, não impede que parentes servidores públicos venham a ser nomeados para postos comissionados. 

Foi nessa brecha que muitos cargos de confiança no Estado ganharam inconteste literalidade. A primeira área a entrar nas planilhas de Gerdau foi a segurança pública. Em 2006, antes da posse de Eduardo, Pernambuco era líder nacional em número de homicídios. Em 2010, último ano do seu primeiro mandato, o Estado havia caído para o quarto lugar. O Nordeste passou a ter crescimento econômico chinês e violência afegã, mas Pernambuco foi
o único Estado da região a reduzir homicídios. O programa de escolas em tempo integral do governo Jarbas Vasconcelos foi mantido e os meninos armados de cacos de vidro nos semáforos começaram a escassear.


O Estado atingiu todas as metas estabelecidas pelo MEC para a educação básica, mas avançou menos (3,7%) que o Ceará dos irmãos Ciro e Cid Gomes (13,4%) no número de concluintes do ensino médio, fatia da escolaridade sob o guarda-chuva dos governadores.
Ultrapassou a média nacional no avanço do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), mas caiu de 15º para 19º lugar no ranking, entre 2000 e 2010, que englobou seu primeiro mandato. Ao deixar o governo, entregou os três hospitais que prometera, mas o último dado oficial da oferta pública de leitos, em 2012, mostra que no Estado, a exemplo do que acontece no resto do país, o indicador se reduz na mesma medida em que se expandem os planos privados de saúde.

O Estado deixou de liderar as estatísticas de desemprego, inundado por investimentos federais e privados, com dedicado empenho de Lula. Em 2010, Eduardo foi reconduzido ao Palácio do Campo das Princesas com 82,8% dos votos, 0,1 ponto percentual a menos que Renato Casagrande (ES). Venceu em todos os municípios do Estado e decidiu direcionar seu
segundo mandato para dar mais visibilidade nacional à sua gestão.
Quando se reelegeu, era o governador mais bem avaliado do Brasil. Passada a reeleição, começou a aproximação com os adversários derrotados. Agia como quem temesse que as acirradas polarizações na
política local atravancassem seu caminho. O último bastião da oposição a cair foi Vasconcelos.


Quatro meses antes da reconciliação, Vasconcelos havia subido à tribuna do Senado para anunciar seu voto contrário à escolha de Ana Arraes ao Tribunal de Contas da União: "Um governador - seja ele quem for - deixa os seus afazeres, deixa de cuidar dos interesses do Estado para eleger a mãe para o Tribunal de Contas da União. É um absurdo, não é uma coisa natural, não é uma prática republicana. Isso não é modernidade, é política do compadrio, do coronelismo. É atraso do pior tipo possível".


Indagado se o empenho pela eleição da mãe havia sido um erro, Eduardo faz um longo preâmbulo em que diz ter sido o partido e não ele quem a convocara para a vaga, para depois concluir: "Se o tempo voltasse, acho que talvez ela nem fosse candidata".
Dos nove ministros do Tribunal de Contas da União, três são pernambucanos. O primeiro deles, o ex-senador José Jorge, usou em 2000 sua cota de publicações na gráfica do Senado para dar divulgação ao relatório da CPI dos Precatórios. Eduardo acerca-se de tribunais de contas desde Pernambuco. 

Das quatro vagas de conselheiro preenchidas desde sua posse, duas abrigaram primos. São auditores concursados do tribunal seus dois principais herdeiros políticos, o atual prefeito do Recife, Geraldo Julio, e seu candidato ao governo, Paulo Câmara. Casado com uma prima em segundo grau de Eduardo, Paulo Câmara foi levado para a Secretaria da Fazenda, onde montou um fundo que desburocratiza repasses constitucionais para municípios. Derrotou, na disputa interna pela cabeça de chapa à sucessão estadual, vice-governador, ministro, senador, deputado federal e pelo menos três outros secretários. Todos eles eram aliados do governador, mas tinham construído trajetória política independente do eduardismo.

Eduardo elegeu-se com 5 partidos, reelegeu-se com 15 e montou a chapa de seu sucessor com 21 legendas. O inchaço de sua política aliancista tem trajetória parecida com a montada por Lula. Como a do ex-presidente, sua base, de tão grande, começou a se romper. Na eleição municipal de 2012, saiu o PT. Depois foi a vez de o senador Armando Monteiro (PTB) anunciar sua candidatura ao governo do Estado, em chapa com os petistas. Por fim, o vice, João Lyra (PDT), assumiu o governo disposto a não acatar ordens.


Foi o que se viu quando mandou sua tropa de choque expulsar do terreno de um empreendimento imobiliário ativistas que reivindicam bandeiras ambientais e urbanísticas, as mesmas da candidata a vice na chapa de Eduardo. A área do Cais José Estelita, equivalente a 12 campos de futebol, foi vendida pela União a quatro empreiteiras do Estado. Sem concorrência, o consórcio arrematou o terreno pelo preço mínimo, que estabelecia o metro quadrado a um décimo do praticado no mercado. O empreendimento foi aprovado em todas as instâncias oficiais. O Brasil e o Recife estavam nas mãos do PT, e Pernambuco, nas de Eduardo. Àquela época, eram todos aliados.


O movimento #ocupeEstelita mobilizou urbanistas, artistas e estudantes contra a ação de reintegração de posse, às vésperas da Copa do Mundo. Marina soltou nota em apoio, enquanto Eduardo responsabilizou o PT. Naquele cais confrontaram-se empresas sócias do boom econômico do Estado e movimentos herdeiros da histórica esquerda de Pernambuco - os dois eixos da candidatura de Eduardo, que se conflitam bem antes da aliança com Marina.

Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]





<< Página inicial

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

Assinar Postagens [Atom]